terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Os Voos "Secretos"

A organização de direitos humanos britânica REPRIEVE garante que mais de 700 prisioneiros foram ilegalmente transportados para a base norte-americana de Guantanamo "com a ajuda de Portugal" e que pelo menos 94 voos passaram por território português, entre 2002 e 2006.
A REPRIEVE, organização não-governamental de beneficência criada por advogados, em 1999, para prestar representação legal a prisioneiros que enfrentam a pena de morte, sobretudo nos Estados Unidos, divulgou hoje um relatório que, nas suas palavras, "demonstra inequivocamente que 728 de 774 prisioneiros de Guantanamo foram transportados através de jurisdição portuguesa".
O relatório, aponta a organização de advogados, foi compilado através da comparação de dados obtidos junto das autoridades portuguesas, informações do Departamento de Defesa dos Estados Unidos com datas de chegadas de prisioneiros a Guantanamo e testemunhos de muitos prisioneiros.
O documento, que, segundo a REPRIEVE, detalha pela primeira vez os nomes dos prisioneiros e as suas histórias, aponta que "pelo menos em seis ocasiões aviões de transferência de prisioneiros voaram directamente da base das Lajes nos Açores para Guantanamo".
"Nenhum destes prisioneiros poderia ter chegado a Guantanamo - e sido sujeito a seis anos de abusos - sem a cumplicidade portuguesa e existem ainda várias dezenas de homens que poderão enfrentar a pena de morte após terem sido transferidos pelos Estados Unidos através de jurisdição portuguesa", afirmou o Director-Gegal da REPRIEVE, Clive Stafford Smith.
A ONG defende que as investigações "demonstram que Portugal desempenhou um papel de apoio de relevo no amplo programa de transferência de prisioneiros" e, "pelo menos, nove prisioneiros transportados através de jurisdição portuguesa foram cruelmente torturados em prisões secretas espalhadas pelo Mundo antes da sua chegada a Guantanamo".
Segundo o responsável da REPRIEVE, "Portugal tem de levar a cabo um inquérito público e exaustivo e chegar ao fundo destas violações do direito internacional".O caso dos "voos da CIA" teve início em Novembro de 2005, quando o jornal norte-americano Washington Post revelou a existência de prisões secretas da CIA em vários pontos do Mundo, incluindo em países do Leste europeu.
Rapidamente, o assunto em foco passou a ser não tanto as prisões secretas (cuja existência nunca viria a ser provada), mas antes o transporte ilegal de prisioneiros suspeitos de terrorismo e os chamados "voos da CIA", que, segundo a comissão do PE, foram uma prática corrente na Europa desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, nos EUA.
Na A.R. o PCP vai apresentar um projecto de inquérito parlamentar para apurar responsabilidades no alegado transporte ilegal de presos para a base norte-americana de Guantanamo com a ajuda de Portugal., disse hoje à Lusa o deputado António Filipe.
"Na sequência das novas revelações constantes no relatório da organização britânica REPRIEVE, que indica que mais de 700 presos foram ilegalmente transportados para a base de Guantanamo com a ajuda de Portugal, o PCP decidiu reapresentar o pedido de inquérito que havia feito em 2006 para apurar responsabilidades", disse à Lusa António Filipe.
No relatório divulgado segunda-feira, a organização dos direitos humanos britânica refere também que pelo menos 94 voos passaram por território português, entre 2002 e 2006.
Em declarações à agência Lusa, o deputado do PCP lembrou que o partido já havia proposto uma comissão de inquérito para apurar as responsabilidades na utilização do espaço aéreo português dos voos da CIA para transporte ilegal de prisioneiros em 2006.
"Na altura a proposta foi recusada pelo PS e PSD com a justificação de que não havia suspeitas sérias sobre o assunto", referiu.

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